No centro de Portugal, a meia hora de Aveiro, descobrimos locais que deslumbram pela paisagem e pela frescura da vegetação e dos rios. Claro que para os descobrirmos houve que optar por estradas nacionais e outras que o GPS desconhece; mas afinal é mesmo aí que sempre queremos ir, onde está a autenticidade do nosso país, onde se pode sentir o modo de vida das gentes que fizeram deste país, um lugar único.
Pela EN16 vagueámos ladeados pelo rio Vouga por entre vasta vegetação. Aos tons de verde da floresta que cobre toda a encosta, juntam-se manchas azuis da trepadeira Glória-da-Manhã ou, como outros lhe chamam também, Bom-dia. Lá em baixo, o Vouga vai serpenteando ora farto ora magrinho, mas sempre a prometer uma frescura que adiamos para já, até encontrar um local onde dele desfrutar serenamente.
A seguir a uma curva, eis que uma obra imponente e invulgar se vislumbra sobre o rio. É a Ponte do Poço de Santiago, com 12 arcos, quase 30m de altura e 165m de comprimento, toda em alvenaria. Datada de 1913, é a ponte ferroviária por onde circulou o comboio do Vale do Vouga até 1972. Hoje transformada em via pedestre e ciclovia, apela à visita e ao desfrutar de uma vista deslumbrante.
De quando em vez, bem no meio do arvoredo, vemos uma casa como se ali tivesse brotado naturalmente qual cogumelo. Continuamos pela estrada estreita e chegamos a Porto do Carro, um pequeno povoado empoleirado na margem direita do rio. Do lado oposto, vemos uma praia fluvial onde algumas crianças saltam alegremente para a água enquanto outros se deleitam estendidos ao sol.
Começa de facto a aquecer e decidimos aproveitar para conhecer a praia, que identificamos como Quinta do Barco, enquanto tomamos uma breve refeição no bar. Sabemos que a gastronomia local é rica e que os pratos tradicionais valorizam especialmente os sabores do rio e do campo, mas essa é uma descoberta que terá que ficar para outra ocasião.
Ainda no bar, os puffs convidam à preguiça, mas a visão de um grupo que acaba de alugar canoas e se faz ao rio, recorda-nos dos recantos ainda por descobrir.
Metemo-nos novamente à estrada, em direcção a Sever do Vouga. Já no centro da vila reconhecida como a Capital do Mirtilo, dirigimo-nos ao posto de Turismo em busca de locais a visitar. Das várias sugestões que amavelmente nos fazem, uma conquista imediatamente a nossa preferência: o Parque da Cabreia com a sua cascata. As imagens são cativantes e a distância é pequena, cerca de 4 km até Silva Escura e daí à Cascata mais 1km.
Depois de um pequeno passeio pela vila, continuamos a nossa viagem até à aldeia de Silva Escura. Ali chegados, viramos para uma estrada municipal cheia de curvas e envolta em densa floresta. A placa a indicar Cabreia surge pouco depois mas já tinha passado bem mais de 1km sem que vislumbrássemos o nosso destino. Ao mesmo tempo, a estrada tornava-se mais íngreme. Tudo indicava que estávamos perdidos quando decidimos parar o carro numa pequena bifurcação e iniciar a busca a pé. O som da água fazia-se ouvir ao fundo de um pequeno trilho por onde enveredámos.
Bastaram uns metros para nos quedarmos extasiados perante um cenário verdadeiramente idílico. Junto a um troço de rio encontramos uma casa tradicional de pedra com um telheiro. A recuperação da casa, por certo feita há pouco tempo, denota cuidado e respeito pela envolvente natural. Ao lado, um espigueiro onde outrora se guardavam os cereais. Cá fora, várias redes penduradas pareciam aguardar-nos enquanto uma bicicleta de criança jazia no chão, como se abandonada à pressa em troca de uma outra brincadeira.
Nas margens do rio, um banco e um pequeno bote entre outras inesperadas preciosidades! Sobre o leito do rio, aqui a formar uma mini lagoa, mais umas redes mesmo sobre a água. Tudo envolto na mais luxuriante vegetação. É um pequeno paraíso de paisagem rural onde apetece ficar… onde se adivinha o deleite de quem o pode desfrutar sem pressas.
Partimos um pouco contrariados mas ainda em busca da Cascata da Cabreia que nos trouxe aqui. Regressando a Silva Escura retomamos a estrada municipal até ao ponto em que anteriormente tínhamos visto a indicação de Cabreia e agora sim, detectamos os acessos ao Parque. Estacionamos o carro na berma e descemos por umas escadas em madeira até ao nível do parque de campismo e zona de merendas.
O som do rio Bom aumenta à medida que nos dirigimos para montante, indicando-nos o local da cascata. A queda de água de 25m torna-se agora visível e toda a envolvente de carvalhos e loureiros parece abraçá-la. De repente, tudo parece parar no tempo e nós próprios emudecemos perante este recanto onde se despertam todos os nossos sentidos. É pleno de encanto e magia…
Procuramos uma rocha para nos sentarmos e mergulhamos os pés na água límpida e fresca da pequena lagoa que se forma na base da cascata. Impõe-se o silêncio das palavras, fica o prazer da partilha do momento…
À memória vem-me o poema Afirmação de Glória de Sant’Anna in “Um Denso Azul Silêncio”:
“A essência das coisas é senti-las/ tão densas e tão claras,/ que não possam conter-se por completo/ nas palavras./ / A essência das coisas é nutri-las/ tão de alegria e mágoa,/ que o silêncio se ajuste à sua forma/ sem mais nada.”