O 06 de Outubro de 2015

No centro de Portugal, a meia hora de Aveiro, descobrimos locais que deslumbram pela paisagem e pela frescura da vegetação e dos rios. Claro que para os descobrirmos houve que optar por estradas nacionais e outras que o GPS desconhece; mas afinal é mesmo aí que sempre queremos ir, onde está a autenticidade do nosso país, onde se pode sentir o modo de vida das gentes que fizeram deste país, um lugar único.

Vouga_Porto do Carro e Ponte_comp

Pela EN16 vagueámos ladeados pelo rio Vouga por entre vasta vegetação. Aos tons de verde da floresta que cobre toda a encosta, juntam-se manchas azuis da trepadeira Glória-da-Manhã ou, como outros lhe chamam também, Bom-dia. Lá em baixo, o Vouga vai serpenteando ora farto ora magrinho, mas sempre a prometer uma frescura que adiamos para já, até encontrar um local onde dele desfrutar serenamente.

A seguir a uma curva, eis que uma obra imponente e invulgar se vislumbra sobre o rio. É a Ponte do Poço de Santiago, com 12 arcos, quase 30m de altura e 165m de comprimento, toda em alvenaria. Datada de 1913, é a ponte ferroviária por onde circulou o comboio do Vale do Vouga até 1972. Hoje transformada em via pedestre e ciclovia, apela à visita e ao desfrutar de uma vista deslumbrante.
De quando em vez, bem no meio do arvoredo, vemos uma casa como se ali tivesse brotado naturalmente qual cogumelo. Continuamos pela estrada estreita e chegamos a Porto do Carro, um pequeno povoado empoleirado na margem direita do rio. Do lado oposto, vemos uma praia fluvial onde algumas crianças saltam alegremente para a água enquanto outros se deleitam estendidos ao sol.

Começa de facto a aquecer e decidimos aproveitar para conhecer a praia, que identificamos como Quinta do Barco, enquanto tomamos uma breve refeição no bar. Sabemos que a gastronomia local é rica e que os pratos tradicionais valorizam especialmente os sabores do rio e do campo, mas essa é uma descoberta que terá que ficar para outra ocasião.
Ainda no bar, os puffs convidam à preguiça, mas a visão de um grupo que acaba de alugar canoas e se faz ao rio, recorda-nos dos recantos ainda por descobrir.

Quinta do Barco_Paradela do Vouga

Metemo-nos novamente à estrada, em direcção a Sever do Vouga. Já no centro da vila reconhecida como a Capital do Mirtilo, dirigimo-nos ao posto de Turismo em busca de locais a visitar. Das várias sugestões que amavelmente nos fazem, uma conquista imediatamente a nossa preferência: o Parque da Cabreia com a sua cascata. As imagens são cativantes e a distância é pequena, cerca de 4 km até Silva Escura e daí à Cascata mais 1km.

Depois de um pequeno passeio pela vila, continuamos a nossa viagem até à aldeia de Silva Escura. Ali chegados, viramos para uma estrada municipal cheia de curvas e envolta em densa floresta. A placa a indicar Cabreia surge pouco depois mas já tinha passado bem mais de 1km sem que vislumbrássemos o nosso destino. Ao mesmo tempo, a estrada tornava-se mais íngreme. Tudo indicava que estávamos perdidos quando decidimos parar o carro numa pequena bifurcação e iniciar a busca a pé. O som da água fazia-se ouvir ao fundo de um pequeno trilho por onde enveredámos.

Bastaram uns metros para nos quedarmos extasiados perante um cenário verdadeiramente idílico. Junto a um troço de rio encontramos uma casa tradicional de pedra com um telheiro. A recuperação da casa, por certo feita há pouco tempo, denota cuidado e respeito pela envolvente natural. Ao lado, um espigueiro onde outrora se guardavam os cereais. Cá fora, várias redes penduradas pareciam aguardar-nos enquanto uma bicicleta de criança jazia no chão, como se abandonada à pressa em troca de uma outra brincadeira.
Nas margens do rio, um banco e um pequeno bote entre outras inesperadas preciosidades! Sobre o leito do rio, aqui a formar uma mini lagoa, mais umas redes mesmo sobre a água. Tudo envolto na mais luxuriante vegetação. É um pequeno paraíso de paisagem rural onde apetece ficar… onde se adivinha o deleite de quem o pode desfrutar sem pressas.

Recanto idílico na Cabreia

Partimos um pouco contrariados mas ainda em busca da Cascata da Cabreia que nos trouxe aqui. Regressando a Silva Escura retomamos a estrada municipal até ao ponto em que anteriormente tínhamos visto a indicação de Cabreia e agora sim, detectamos os acessos ao Parque. Estacionamos o carro na berma e descemos por umas escadas em madeira até ao nível do parque de campismo e zona de merendas.

Parque da Cabreia

O som do rio Bom aumenta à medida que nos dirigimos para montante, indicando-nos o local da cascata. A queda de água de 25m torna-se agora visível e toda a envolvente de carvalhos e loureiros parece abraçá-la. De repente, tudo parece parar no tempo e nós próprios emudecemos perante este recanto onde se despertam todos os nossos sentidos. É pleno de encanto e magia…

Cascata Cabreia_Rio Bom

Procuramos uma rocha para nos sentarmos e mergulhamos os pés na água límpida e fresca da pequena lagoa que se forma na base da cascata. Impõe-se o silêncio das palavras, fica o prazer da partilha do momento…

À memória vem-me o poema Afirmação de Glória de Sant’Anna in “Um Denso Azul Silêncio”:

“A essência das coisas é senti-las/ tão densas e tão claras,/ que não possam conter-se por completo/ nas palavras./ / A essência das coisas é nutri-las/ tão de alegria e mágoa,/ que o silêncio se ajuste à sua forma/ sem mais nada.”

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